Fiquei algum tempo pensando se faria ou não este post. Costumo ser fiel à minha linha editorial: casa, decoração, faça você mesmo e bem viver relacionado à casa. Mas dessa vez resolvi abrir uma exceção. Primeiro, porque este post pode ajudar alguém. Segundo, porque a viagem que eu acabei de fazer só aconteceu por causa desse blog.
Sente numa cadeira confortável que este post é longo!
Já falei por alto sobre a minha deficiência por aqui. Mas para quem ainda não sabe, sou deficiente auditiva com perda bilateral profunda. Tive meningite com 1 ano e 8 meses, e acabei perdendo a audição. Com o empenho dos meus pais e o apoio de fonoaudiólogos, aos 5 anos eu estava oralizada e compreendendo o que me era dito através da leitura labial.
Aos 20, fiz uma cirurgia que me deu mais qualidade de vida: tornei-me uma implantada. Mas, ao contrário do que muitos pensam, o implante coclear é uma bênção, mas não é um milagre. Para quem tiver interesse,
aqui você pode ler um resumo sobre o que é o implante coclear e o que ele pode proporcionar a um deficiente auditivo. Caso você tenha lido esse artigo, eu me encaixo no grupo daqueles "(...) pacientes cujo implante ajuda
apenas a perceber os sons sem conseguir compreender a
fala". Afinal, foram 18 anos que vivi no silêncio absoluto e não desenvolvi a memória auditiva.
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Eu e Carla (The Blue Post), na Alemanha. |
Viajar de avião sozinha não é uma das tarefas mais simples, mesmo quando se trata de voo direto em território nacional. Já teve gente que me disse: "ah, mas é só acompanhar aquele telão". Não, não é. Nem sempre ele está sincronizado com o auto falante e a informação de mudança de portão só aparece na tela minutos depois. Já aconteceu comigo duas situações, que se eu tivesse confiado no telão, teria perdido o avião ou ficado à deriva, sem compreender o que estava acontecendo e sem saber o que fazer. Uma no Rio de Janeiro, numa viagem a trabalho, quando mudaram o portão no último minuto; e outra em Lisboa, quando voltava da viagem que fiz a Portugal ano passado, e os funcionários da TAP resolveram paralisar e fecharam o portão de embarque.
Mas para este porém existe solução: pedir acompanhamento. Já pedi algumas vezes e já vi que rola.
Só que eu nunca tinha precisado pedir acompanhamento em viagens com conexão. Nas oportunidades anteriores, todas as vezes que fiz conexão, eu não estava sozinha.
Quando ficou decidido que o encontro oficial da equipe SOS Decor - DIY Coletivo duraria 5 dias (para quem não sabe do que estou falando, está tudo explicado
aqui), quem mora em terras brasileiras reconheceu que era pouco tempo para todo o esforço que seria fazer essa viagem - tanto no quesito financeiro, quanto na organização: eu por exemplo, tive que mudar a data das minhas férias bem em cima do laço e perdi um monte de aulas. Cada uma de nós se organizou do jeito que deu para aproveitar ao máximo a viagem além do encontro oficial.
Eu aceitei o convite da Carla, do
The Blue Post, uma das meninas da nossa equipe, que mora na Alemanha, numa cidade perto da França e da Suíça para passar uns dias na casa dela e depois, seguirmos juntas para Barcelona. Isso implicou em fazer conexão em países cujos idiomas eu não falo (holandês na ida, e francês na volta). O que já não é muito simples aqui, é óbvio que é bem mais complicado em terras estrangeiras.
Teve gente que, ao saber que eu faria essa viagem com conexão voando pela Air France, disse que eu estava louca:
"Isso é uma temeridade!"
"Isso é loucura!"
"Cia aérea para surdo é aquela que fala português!"
Só para citar algumas frases que eu tive que ouvir. Não escrevo mais para não ofender algumas pessoas queridas.
É claro que é compreensível o medo de quem me falou essas coisas. Mas se formos nos deixar levar pelo medo o tempo todo, oportunidades são perdidas. E eu não queria perder de jeito nenhum esse encontro do DIY Coletivo. Fui, voltei, fiz todas as conexões, deu tudo certo e tenho algumas dicas para dar!
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Basel (ou Basiléia), Suíça. |
DICA 1: TRABALHE O MEDO
É o primeiro passo. Se pararmos para pensar, nossas ações são fruto do nosso emocional. Se tivermos algum medo mal trabalhado, a gente não faz certas coisas. Eu por exemplo, tenho PAVOR de cobras, então não faço trilhas.
E acredite, mesmo que você não tenha tanto medo, sempre terá alguém com mais medo que você, e pode tentar te influenciar. Na maioria das vezes, é na intenção de fazer o bem, mas que acaba atrapalhando ao invés de ajudar. Aprenda a lidar com essa influência negativa.
Mas veja bem: não estou dizendo que viajar sozinho sem ouvir não envolve riscos. Sim, envolve. Tudo na vida tem risco.
DICA 2: CALCULE OS RISCOS
Não é porque você já passou pela dica 1, se encheu de coragem, que vai jogar os riscos no lixo. Eles continuam existindo. E é importante reconhecê-los todos. Porque é reconhecendo os riscos que a gente encontra ferramentas para contorná-los, e consequentemente, minimizá-los. Possíveis riscos: se perder, perder o voo, extravio de bagagem, problemas de comunicação no controle de imigração...
DICA 3: SINALIZE QUE VOCÊ É UM DEFICIENTE NO ATO DA COMPRA DA PASSAGEM
Em geral, as cias aéreas mostram uma opção para você marcar caso seja um deficiente. Não sei precisar como isso funciona nas empresas brasileiras, já que as vezes que viajei sozinha em território nacional, foram a serviço, e nesse caso, quem compra a passagem é uma agência contratada pelo órgão que trabalho. Mas a Air France, por exemplo, pede para você especificar se a sua deficiência é física ou sensorial, e em seguida, bloqueia o site, te dá um número de reserva e não deixa você finalizar a compra. Horas depois, mandam um e-mail pedindo para você especificar o tipo de assistência que você precisa, e te dão um número de telefone, caso você queira verificar se a sua assistência está confirmada, e só então, você finaliza a compra da passagem. Eu achei isso fantástico e me senti muito mais segura!
DICA 4: E AVISE TAMBÉM NO CHECK IN
Nessas horas eu nunca faço check in pela internet, nem naquela maquininha do aeroporto. Faço junto com o despacho da bagagem, com uma pessoa física. Em alguns aeroportos, colocam você na fila preferencial e colocam na sua mala um adesivo que sinaliza que você é deficiente. É nesse momento que o funcionário da cia aérea solicita que a assistência te busque naquela hora, ou te pede para voltar num determinado horário.
E pelo amor, chegue no aeroporto com no mínimo 2 horas de antecedência. Já estamos numa situação desfavorável, não compliquemos a coisa pro nosso lado.
Essa dica se torna ainda mais importante quando você não consegue sinalizar que é deficiente ao comprar a passagem.
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Vitra Haus - Weil am Rhein, Alemanha. Aguardem um post sobre o que vi e amei nesse lugar! |
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DICA 5: CONFIE NO PAPEL
Papel não tem sotaque, não fala diferente, não depende de wifi, não acaba a bateria. Mesmo que você fale bem inglês (o que não é o meu caso), escreva tudo que você imagina que pode precisar falar na viagem. Leve escrito em português (para você saber o que quer falar), em inglês e no idioma da sua cia aérea. Pense nas coisas básicas (como o aviso de que você é deficiente), bem como nas perguntas que podem fazer na imigração. Algumas sugestões:
- Sou deficiente auditivo, solicitei assistência ao comprar passagem pela (sua cia aérea).
- Meu voo é:
- Minha bagagem sumiu. O que eu faço?
- Motivo da viagem (férias, turismo, trabalho, visita familiar, etc)
- Meus endereços de hospedagem são:
- Volto para o Brasil (data da sua volta).
- No Brasil trabalho com (a sua função, atividade) em/ no (lugar que você trabalha). Adapte a frase se você for estudante, freela, empresário.
Pense também nas questões específicas da sua viagem. O meu destino final era um aeroporto que servia a 3 países e tinha 2 portas: uma para a Suíça e outra para a França e Alemanha. Coloquei no meu papel: "Gostaria de sair pela porta da França e da Alemanha, onde fica?" .
Eu nunca precisei, mas seguro morreu de velho: anote nesse papel o endereço e o telefone do consulado brasileiro dos lugares pelos quais você irá passar. Principalmente o dos países onde ocorre a troca de avião.
"Ah, mas eu não sei traduzir para outras línguas!" Eu também não sei, o único idioma que eu realmente aprendi além da minha língua mãe, foi o espanhol. Peça ajuda. Sempre tem alguém que saiba. No meu caso, quem traduziu para o inglês, foi a Sheylla, do @15sideas (veja o trabalho dela
aqui e
aqui), e para o francês, um amigo parisiense. Na pior das hipóteses, recorra ao google translate. É uma porcaria, mas é melhor que nada e quebra um galho.
DICA 6: LEVE TODOS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS E UM POUCO MAIS
O necessário é óbvio, serve para qualquer um. Sem os documentos necessários, a gente não entra em país algum. Para os países na União Européia, precisamos de passaporte, endereço de hospedagem, seguro viagem, passagem de volta. Geralmente apresento só isso, e dessa vez, mostrei o papel citado acima, caso o funcionário da imigração quisesse me fazer alguma pergunta, as respostas provavelmente estariam lá.
Mas a gente sabe que volta e meia, a imigração resolve implicar com turistas brasileiros, e faz umas perguntas sem cabimento. A imigração inglesa já mandou essa para uma amiga: "Ah, então você é museóloga lá no Brasil? Me fale o nome de 4 museus que tem aqui!". Se fosse comigo, eu não entenderia o que o sujeito estava me perguntando e isso pode gerar confusão. Por isso acho prudente levar algum documento a mais, que comprove seu vínculo com o Brasil.
Eu costumo levar o meu contracheque e a identidade emitida pelo serviço público. Nunca precisei apresentá-los, mas é melhor prevenir que remediar. Problemas com a imigração é a última coisa que nós queremos, não é mesmo?
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Tinha um paparazzi no meio da viagem. rs. Colmar, França. Foto: Carla Torci/ The Blue Post. |
DICA 7: ESTEJA SEMPRE EM ALERTA
Eu notei que nem sempre especificam ao assistente qual é a deficiência do passageiro. Na minha volta, em Paris, me esperaram na porta do avião com uma cadeira de rodas. E em Amsterdã, onde eu tive que esperar umas 3 horas antes de pegar o segundo avião, eles marcaram comigo uma determinada hora para eu comparecer na assistência. Dei uma volta para almoçar e um pouco antes da hora marcada, eu já estava sentada num dos bancos da assistência, esperando. Eis que aparecem dois assistentes chamando "Amado, Amado", sem me cutucar. Viu alguém chegar, preste atenção para saber se é você que estão chamando. Na dúvida, pergunte.
DICA 8: APELE PARA A LINGUAGEM UNIVERSAL
Precisa se comunicar e não consegue? Gestos e apontamentos. Ficar apontando e gesticular pode ser esquisito, mas funciona. Eu usei esse método e o pessoal do aeroporto e da cia aérea também. Na minha ida, quando eu peguei o segundo avião, não tive taaaaaanta certeza de que estava no avião certo, chamei a comissária, que provavelmente era holandesa, apontei para o meu lugar de destino na passagem, e com gestos, perguntei se estava no voo certo. E ela, também com gestos, me respondeu que sim, aquele avião estava certo.
DICA 9: NÃO CONTE COM WIFI DE AEROPORTO
"Ah, mas todo aeroporto tem wifi!". Em tese, sim. Na prática são outros quinhentos. No Rio de Janeiro e em Amsterdã foi tudo ok. Em Paris e em Barcelona não funcionou. Eu via que tinha sinal, mas eu não conseguia usar nem o whatsapp. Isso foi meio problemático em Barcelona, porque eu e a Carla chegamos um dia antes da reserva do nosso apê, e dormimos uma noite na casa catalã da Erica (
Home Sweetener), e a gente não conseguia avisar que estávamos a caminho, obrigando a Carla a comprar um pacote de dados para usar a internet. E a Karen (
Pot pourri da Karen) chegou em BCN quando já estávamos no apê, ela também não conseguia nos avisar que tinha chegado no aeroporto, e nós ficamos preocupados.
Ou seja, se tiver wifi, ótimo. Mas tenha sempre um plano B. O meu plano B foi ter o endereço e o telefone de todo mundo dos lugares que eu ia.
E POR FIM, APROVEITE A VIAGEM E DIVIRTA-SE!
Viajar sozinho sem ouvir e fazendo conexão não é a coisa mais confortável do mundo. Mas tomando todas as precauções não é um bicho de sete cabeças. Embora a acessibilidade nos aeroportos não seja exemplar, as pessoas costumam ser atenciosas com deficientes.
Um pouco do que eu teria perdido se tivesse me deixado levar pelo medo:
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Fondation Beyeler, Riehen, Suíça. |
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Primavera européia. Riehen, Suíça. |
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Le Petit Venice, Colmar, França. |
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Parece pintura de Monet, mas é de verdade. Colmar, França. |
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DIY Coletivo na Casa Batlló, Barcelona, Cataluña, Espanha. |
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DIY Coletivo e o lagarto de Gaudí! Parc Güell, Barcelona. |
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Pés no Mar Mediterrâneo! Barcelona, Cataluña, Espanha. Foto: Karen Rampon/ Pot pourri da Karen. |
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Karen, eu e Thamyrez provando suquinhos diferentes a "un euro", no mercado de La Boquería, Barcelona. |
Explicando mais detalhadamente, eu fiquei 15 dias viajando, e creio que posso dividir a viagem em 3 etapas:
1) 5 dias na casa da Carla, na Alemanha, perto da França e da Suíça.
2) 5 dias com a equipe DIY Coletivo semi- completa no apê que alugamos: apenas a Stephany, do
Feita com muito esmero, não pôde estar com a gente no nosso primeiro encontro oficial.
3) 5 dias na casa da Erica, que na verdade mora na Austrália, mas está morando em Barcelona por uns 2 meses. A essa altura, Thamyrez já tinha seguido viagem, mas Carla e Karen também foram para a casa da Erica.
Já que este post já está gigante, não custa nada deixá-lo um pouco maior! rsrsrs.
Carla: obrigada por todo o carinho que você teve ao me acolher na sua casa. Por me buscar no aeroporto, pelos passeios, pela hospedagem, pela casinha de cimento. Por tudo! Foi tudo incrível!
Erica: obrigada por nos hospedar, mesmo com duas crianças em casa, e por nos fazer sentir à vontade.
DIY Coletivo: o que dizer dos dias que passamos todos juntos? Acho que não há palavras no mundo que expliquem os dias mágicos que vivenciamos. A sintonia, a cumplicidade, a colaboratividade, a diversão, a troca de ideias. E que esse seja apenas o primeiro de muitos encontros!
Qualquer dúvida sobre a viagem, vocês já sabem, né? É só usar esse espacinho de comentários e perguntar! Mandar e-mail também tá liberado! ;)